O Lemegeton: A Chave Menor de Salomão

O Lemegeton, conhecido também como A Chave Menor de Salomão, emerge das profundezas da história como um sussurro sombrio, um tomo proibido que ecoa os segredos de antigas invocações e os perigos de trafegar com forças além do véu mortal. Atribuído ao lendário Rei Salomão, cuja sabedoria se entrelaçava com o domínio sobre espíritos invisíveis, este grimório não é uma criação pura de sua era, mas uma compilação tardia, tecida no século XVII a partir de fragmentos mais velhos, como ecos de manuscritos hebraicos, latinos e gregos que se perderam nas sombras do tempo. Salomão, segundo as lendas, selou demônios em um vaso de bronze e os lançou nas águas escuras de um lago na Babilônia, mas o conhecimento de como convocá-los persistiu, passando por mãos ocultas, de escribas medievais a magos renascentistas. O Lemegeton não é a Grande Chave, aquela que se diz maior e mais pura, mas a menor, a que abre portas para reinos inferiores, onde o ar é carregado de malícia e o chão treme com a presença de entidades que anseiam pela fraqueza humana.

Nas páginas amareladas e envelhecidas de manuscritos como o Sloane 3825 da Biblioteca Britânica, o Lemegeton se revela dividido em cinco partes, cada uma um portal para diferentes esferas de influência espiritual, mas todas impregnadas de um véu de trevas que adverte o imprudente. A primeira, a Ars Goetia, é o coração pulsante de sua escuridão, um compêndio de setenta e dois espíritos malignos, demônios que Salomão teria subjugado com seu anel mágico, gravado com o selo secreto que os forçava à obediência. Esses seres não são meras abstrações; eles carregam nomes que ressoam como maldições antigas: Bael, o rei que se manifesta em formas híbridas de gato, sapo e homem, comandando legiões invisíveis para tornar o invocador invisível aos olhos do mundo; Agares, o duque que cavalga um crocodilo, ensinando línguas esquecidas e provocando terremotos que abalam as fundações da realidade; Vassago, o príncipe que desvenda o passado e o futuro, mas cuja gentileza aparente esconde armadilhas sutis. Cada um desses espíritos possui um selo, um sigilo intricado que deve ser traçado com precisão mortal em pergaminho virgem ou metal específico – ouro para reis, cobre para duques – pois um erro mínimo pode libertar fúrias incontroláveis, transformando o ritual em uma sentença de tormento eterno.

A invocação desses demônios na Ars Goetia não é um ato leve; é uma dança perigosa nas bordas do abismo, onde o mago deve erguer um círculo mágico de nove pés de diâmetro, inscrito com nomes divinos como Ehyeh, Iah e Tetragrammaton, para se proteger das chamas infernais e das ilusões que os espíritos tecem. Fora do círculo, um triângulo aguarda, onde o demônio é compelido a aparecer, preso por nomes como Anaphaxeton e Primeumaton. O ritual começa com uma conjuração inicial, chamando o espírito pelo nome e ordenando sua manifestação em forma humana, sem presas ou garras que revelem sua verdadeira natureza bestial. Se o ser resiste, conjurações mais fortes seguem, invocando os reis dos quatro quadrantes – Amaymon no sul, Corson no oeste, Ziminiar no norte, Gaap no leste – para forçá-lo à submissão. Mas o perigo espreita em cada palavra: um espírito como Asmodeus, o rei de três cabeças que revela tesouros ocultos, pode virar-se contra o invocador, destruindo cidades e dignidades se o selo falhar. Belial, o rei sem mestre, que concede favores e dignidades, exige sacrifícios e pode arrastar a alma para o vazio se não for dispensado corretamente com licenças que o mandam de volta às profundezas.

Prosseguindo pelas sombras do Lemegeton, a segunda parte, a Ars Theurgia-Goetia, mergulha em espíritos aéreos, parcialmente bons e parcialmente maus, que vagam pelos ventos e direções cardeais. Esses seres, diferente dos demônios puramente malignos da Goetia, estão atados aos pontos da bússola: imperadores como Carnesiel no leste e Caspiel no sul, duques errantes e príncipes que comandam legiões flutuantes. Suas invocações derivam de textos mais antigos, como a Steganographia de Trithemius, mas aqui ganham rituais que conflitam com os da Goetia, exigindo selos alterados e orações que invocam ventos uivantes. O mago deve alinhar-se com as direções, murmurando conjurações que chamam esses espíritos para revelar tesouros escondidos ou causar tormentas, mas o risco de corrupção é constante, pois mesmo os parcialmente bons podem se tornar instrumentos de ruína se o invocador fraquejar em sua pureza.

Mais adiante, a Ars Paulina, a terceira seção, volta-se para os espíritos dos céus, governados pelas horas planetárias e pelos graus do zodíaco. Supostamente revelada ao apóstolo Paulo em sua ascensão ao terceiro céu, essa arte mescla influências do Heptameron e da Steganographia, com anjos alinhados às vinte e quatro horas do dia e aos trezentos e sessenta graus das estrelas. Aqui, o ritual envolve uma mesa de prática, gravada com selos planetários – Saturno, Júpiter, Marte – e invocações que pedem conhecimento de artes mecânicas, geometria e virtudes de ervas e pedras. Mas mesmo nessa esfera celestial, a escuridão se infiltra: menções a armas de fogo e ao ano de 1641 sugerem uma redação tardia, contaminada pelo mundo mortal, onde o mago pode invocar espíritos como os do signo de Áries para favores, mas arriscar visões que enlouquecem a mente, confundindo o divino com o demoníaco.

A quarta parte, a Ars Almadel, evoca espíritos das altitudes, vinte chefes que regem os quatro cantos do mundo e os signos zodiacais. De origem alegadamente árabe, com cópias do século XV atestadas, essa arte instrui a criação de uma tábua de cera, pintada em cores específicas – branca para o leste, vermelha para o sul – e suportada por velas para contatar anjos via cristaloscopia. Os espíritos aparecem como formas luminosas, concedendo sabedoria em artes e ciências, mas o processo é frágil: um erro na construção da almadel pode atrair entidades erradas, transformando a visão em um espelho de horrores, onde o mago vê não anjos, mas reflexos de sua própria danação.

Finalmente, a Ars Notoria, a quinta e mais controversa seção, não invoca espíritos diretamente, mas oferece orações e notas místicas, supostamente reveladas pelo Criador a Salomão, para aprimorar a memória, a eloquência e o entendimento. Composta de textos do século XIV, como a Ars Brevis, essa parte promete conhecimento instantâneo das ciências liberais e divinas, mas através de preces enigmáticas que ecoam trovões celestiais. Em algumas edições, como a tradução de Robert Turner em 1657, ela é integrada, mas outras a omitem, talvez por seu potencial de ilusão, onde o buscador pode confundir iluminação com loucura, caindo em um abismo de falsas revelações.

O Lemegeton, em sua totalidade, não é mero manual; é um testamento à fragilidade da alma humana perante o oculto. Influenciado por obras como o Pseudomonarchia Daemonum de Johann Weyer, publicado em 1577, e o De Praestigiis Daemonum, ele absorve erros e variações que sugerem uma transmissão corrompida, como a omissão de Pruflas ou a adição de espíritos como Vassago. Reginald Scot, em sua Descoberta da Bruxaria de 1584, e Heinrich Cornelius Agrippa, com sua Filosofia Oculta, contribuíram indiretamente, distinguindo a goetia – a evocação de demônios malignos – da teurgia, mais nobre, mas o Lemegeton mescla ambas, borrando linhas que levam à perdição. Edições notáveis, como a de Samuel Liddell MacGregor Mathers e Aleister Crowley em 1904, reinterpretam os rituais como explorações psicológicas, alegando que os demônios representam porções do cérebro humano, estimuladas por selos e incensos para alterar a percepção. Crowley adicionou invocações enoquianas, invocando o Nascido Sem Cabeça, mas essa visão moderna não diminui o tom sombrio: mesmo como metáfora, o ato de invocar desperta forças internas que podem devorar a sanidade.

Nas profundezas de seus rituais, o mago deve preparar-se com jejum, pureza e ferramentas sagradas: uma veste branca de linho, um cinto de pele de leão inscrito com nomes divinos, uma espada e um anel para repelir fumaças venenosas. O incenso de olíbano enche o ar, enquanto conjurações em latim e hebraico ressoam, chamando o espírito a aparecer no triângulo, respondendo a perguntas sobre tesouros, amor ou conhecimento proibido. Mas o preço é alto: espíritos como Marchosias, o marquês que se manifesta como lobo alado, prometem lealdade, mas anseiam retornar ao sétimo trono após mil e duzentos anos, traindo o invocador em momentos de fraqueza. Outros, como Andras, o marquês que semeia discórdia, podem incitar assassinatos se não controlados, deixando o mago em um rastro de sangue e remorso.

A história do Lemegeton é marcada por controvérsias e perigos reais: manuscritos como o Harleian 6483 incluem desenhos elaborados de vasos de bronze, semelhantes aos das Mil e Uma Noites, onde gênios aprisionados aguardam libertação vingativa. Trithemius, mestre de Agrippa, influenciou partes como a Theurgia-Goetia, mas alertava contra o uso imprudente, ecoando advertências medievais que viam a goetia como heresia, execrada por leis divinas e humanas. No Renascimento, quando a Europa tremia com caças às bruxas, possuir tal tomo podia levar à fogueira, pois ele prometia poder sobre o invisível, mas atraía a ira de igrejas que viam nele o comércio com espíritos imundos.

Hoje, o Lemegeton persiste como um artefato sombrio, consultado por ocultistas que ignoram seus avisos, buscando em suas páginas chaves para reinos proibidos. Mas em cada invocação, paira a sombra da danação: o mago, isolado em seu círculo, ouve sussurros que prometem glória, mas levam ao vazio eterno. Salomão, com sua sabedoria, selou esses seres para proteger a humanidade, mas o Lemegeton os liberta novamente, lembrando que o conhecimento das trevas é uma lâmina de dois gumes, cortando tanto o mundo quanto a alma. Nas noites frias, quando o vento uiva como legiões invisíveis, o tomo sussurra sua verdade: quem o abre convida o abismo para dentro de si, e o preço da chave menor é a perda irrevogável da luz.
Gustavo José
Gustavo José Fascinado pelo mundo do terror e do suspense, sou o fundador do blog Terror Total, onde trago histórias envolventes e arrepiantes para os leitores ávidos por emoções fortes.

Postar um comentário em "O Lemegeton: A Chave Menor de Salomão"