Um sorriso largo revelava dentes afiados demais para serem humanos
A chuva caía em cortinas pesadas, tamborilando no capô do carro com uma insistência que parecia viva. Eu dirigia pela estrada deserta, os faróis cortando a escuridão úmida, quando um vulto surgiu no retrovisor. Um rosto pálido, quase luminescentemente branco, pressionava-se contra a janela traseira. Olhos amarelos, como faróis de um predador, brilhavam através do vidro embaçado, e um sorriso largo, torto, revelava dentes afiados demais para serem humanos.
Congelei, o volante escorregando das minhas mãos trêmulas. A figura ergueu uma mão esquelética, unhas negras arranhando o vidro, deixando marcas que pareciam pulsar. O som era agudo, cortante, como se a própria noite gritasse. Tentei acelerar, mas o motor engasgou, traidor, e o carro morreu no meio da estrada.
Ela estava lá agora, do lado de fora da janela do passageiro, o rosto colado ao vidro, o sorriso se alargando até parecer impossível. A chuva escorria por sua pele como lágrimas negras, e aqueles olhos... eles me viam, me conheciam. Abri a boca para gritar, mas o som morreu na garganta quando ela bateu na janela com força, o vidro rachando em teias.
De repente, o silêncio tomou conta, como se o mundo tivesse prendido a respiração. A figura desapareceu, e eu me vi sozinho no escuro, o coração martelando contra as costelas. Tremendo, abri a porta do carro, precisando de ar, de qualquer coisa que me tirasse daquele pesadelo. Mas o alívio durou pouco. À distância, entre as árvores encharcadas, vi uma luz tremeluzente, como velas em uma procissão sombria. Aproximei-me, hipnotizado, e então os vi: uma multidão de figuras esqueléticas, vestidas com trajes antigos, os rostos descarnados virados para mim. Seus olhos, vazios e profundos, pareciam sugar a luz ao redor, e suas bocas entreabertas emitiam um zumbido baixo, quase inaudível.
Congelei novamente, as pernas pesadas como chumbo. Eles avançavam devagar, as mãos erguidas em um gesto que misturava súplica e ameaça. O ar ficou denso, carregado de um cheiro úmido de terra e podridão. Tentei correr, mas tropecei, caindo no chão enlameado. Quando levantei os olhos, estavam mais perto, suas formas distorcidas se fundindo na escuridão. Um deles, à frente, inclinou a cabeça, e jurei ouvir meu nome sussurrado em meio ao zumbido.
O pânico me deu forças para voltar ao carro. Liguei o motor com desespero, e ele rugiu à vida. Parti em disparada, os faróis iluminando por um instante aqueles rostos pálidos e imóveis, agora alinhados ao longo da estrada, como sentinelas de um pesadelo eterno. No retrovisor, vi os olhos amarelos da primeira figura reaparecer, rindo, enquanto a multidão desaparecia na chuva. E, no silêncio que se seguiu, soube que eles me marcariam para sempre.
De repente, o carro engasgou novamente, os faróis piscando como olhos moribundos na névoa que se adensava ao redor. A estrada, antes apenas úmida e escura, agora se perdia em um véu branco e opaco, que engolia o mundo como um sudário vivo. Meu coração acelerou quando, à frente, uma silhueta emergiu do nevoeiro: uma mulher alta, vestida em um longo traje esvoaçante, como um vestido de noiva olvidado pelo tempo. Ela estava parada no meio da pista, uma mão estendida em um gesto imperioso, como se ordenasse que o veículo parasse.
Os faróis do jipe — espere, não era o meu carro? O veículo à frente não era meu; era outro, um jipe robusto, com luzes fortes cortando a bruma. Mas eu via tudo como se estivesse lá, preso no banco do motorista. A mulher se aproximava devagar, sua forma etérea flutuando sobre o asfalto rachado, o véu arrastando-se como tentáculos de sombra. Seus contornos eram borrados, mas algo nela ecoava a figura da janela — os olhos, talvez, ou o sorriso invisível que eu sentia pairar no ar.
Pisei no freio com força, o carro derrapando na umidade. O jipe à frente parou abruptamente, e vi o motorista — eu? — hesitar, a mão no volante, o pânico refletido no para-brisa embaçado. A mulher tocou o capô com dedos longos e pálidos, e o motor morreu em um gemido mecânico. O nevoeiro se fechou, engolindo o jipe, e ouvi um sussurro, como o vento carregando vozes antigas: "Venha... junte-se a nós."
Quando a névoa se dissipou por um instante, o jipe estava vazio, as portas abertas como bocas escancaradas. E lá, no retrovisor do meu próprio carro, os olhos amarelos piscaram mais uma vez, convidando-me para o abraço final da escuridão. Soube então que a estrada não terminava — ela apenas levava de volta ao começo, onde eles esperavam, eternos e famintos.
Por Gustavo José
Inspirado nas imagens destacadas
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