Iluminismo e Trevas: A Literatura Gótica no Século da Razão
Descubra como a literatura gótica floresceu em meio ao racionalismo do Iluminismo, revelando os temores éticos e existenciais da ciência, da moralidade e do sublime, com destaque para Frankenstein, de Mary Shelley.
O Iluminismo, movimento cultural e intelectual que floresceu na Europa dos séculos XVII e XVIII, é muitas vezes associado à razão, ao progresso científico e à emancipação humana através do conhecimento. No entanto, é justamente nesse cenário de racionalidade e otimismo que o gênero gótico surge e prospera, desafiando a lógica iluminista com narrativas sombrias, paisagens desoladas e horrores inexplicáveis. Essa dualidade revela uma complexidade maior no espírito da época: um anseio por controle sobre o mundo natural convivendo com um profundo medo das consequências dessa ambição.
A literatura gótica encontrou no Iluminismo o terreno fértil para florescer. Os avanços científicos, embora celebrados, também geravam inquietações. A busca pelo conhecimento absoluto, pela domesticação da natureza e pela superação dos limites humanos levantava dúvidas éticas e existenciais. O gótico, então, tornou-se uma forma artística de canalizar esses temores — não como negação da razão, mas como crítica às suas pretensões e aos seus excessos.
Um exemplo emblemático dessa tensão é o romance Frankenstein; ou, o Prometeu Moderno (1818), da escritora Mary Shelley. A obra, embora publicada já no início do século XIX, é herdeira direta do espírito iluminista e suas contradições. Victor Frankenstein, cientista movido por um ideal de avanço e domínio sobre os mistérios da vida, acaba criando uma criatura que encarna o fracasso moral de sua empreitada racional. O Monstro — simultaneamente trágico e aterrador — percorre paisagens sublimes e desoladas, símbolo da natureza indomável que insiste em escapar aos esquemas da ciência.
A estética do sublime, fortemente presente no romantismo e no gótico, também é um produto do Iluminismo. Conceito filosófico que remete ao espanto diante da grandiosidade incontrolável da natureza, o sublime servia como lembrete de que nem tudo pode ser reduzido à razão ou mensurado por instrumentos científicos. Em muitos romances góticos, o sublime aparece como pano de fundo para os conflitos morais dos personagens — paisagens vastas, castelos em ruínas, florestas sombrias —, amplificando o sentimento de insignificância e vulnerabilidade humanas.
O gótico iluminista, portanto, não é mera fuga do racionalismo, mas um espelho distorcido que reflete as ansiedades do seu tempo. Ao explorar temas como a transgressão científica, a decadência moral, o medo do desconhecido e os limites da humanidade, a literatura gótica ajudou a revelar o outro lado do Iluminismo — aquele que temia aquilo que não podia controlar ou entender.

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