Elias descobre da pior forma que algumas portas jamais devem ser abertas
O ar estava carregado de um frio sobrenatural enquanto Elias permanecia sentado de pernas cruzadas no centro da sala mal iluminada. As paredes pareciam pulsar, como se estivessem vivas, suas superfícies ondulando com sombras que se contorciam em formas grotescas. Ao seu redor, os rostos começaram a surgir — pálidos, ocos e sem olhos a princípio, mas logo se preenchendo com orbes brilhantes e vívidos que se fixavam nele com uma fome insaciável. Eram dezenas, talvez centenas, pressionando-se cada vez mais, suas bocas se abrindo em gritos silenciosos que reverberavam dentro de sua mente. Ele apertava as mãos com força, tentando se ancorar, mas o peso daquele olhar era sufocante.
Tudo havia começado três noites antes, numa noite chuvosa, quando Elias tropeçara num antigo livro no sótão. A capa era de couro desgastado, com símbolos estranhos gravados em relevo, e as páginas internas cheiravam a mofo e segredos esquecidos. Ele não sabia por que o abrira — talvez curiosidade, talvez um impulso que não conseguia explicar. As palavras estavam em um idioma que ele não reconhecia, mas, ao lê-las em voz alta, uma sensação de formigamento subiu por sua espinha. Foi quando os sussurros começaram.
Naquela noite, ele sonhou com rostos flutuando na escuridão, seus olhos vermelhos perfurando sua alma. Acordou suando frio, convencido de que era apenas um pesadelo. Mas no dia seguinte, os sussurros voltaram, agora audíveis mesmo quando ele estava acordado — vozes abafadas, indistintas, como se viessem de trás das paredes. Ele tentou ignorá-las, atribuindo-as ao estresse ou à falta de sono, mas a cada hora que passava, elas cresciam em intensidade. Até que, na terceira noite, os rostos apareceram.
Elias tentou fugir. Trancou-se no quarto, tapou os ouvidos com as mãos e gritou para afogar os sussurros, mas eles estavam dentro de sua cabeça agora, uma cacofonia de lamentos que não podiam ser silenciados. Então, como se atraído por uma força invisível, ele se viu caminhando de volta ao sótão, o livro aberto diante dele. As páginas pareciam se mover sozinhas, as letras dançando até formar uma frase que ele compreendeu: “Eles virão quando fores chamado.”
E ali estavam eles. Os rostos o cercavam, suas expressões mudando de fúria para tristeza, de súplica para acusação. Alguns tinham bocas rasgadas, outros olhos que sangravam luz, e todos o encaravam como se ele fosse a chave para algo terrível. Elias sentiu um aperto no peito, como se uma mão invisível esmagasse seu coração. Ele queria correr, gritar, mas seu corpo estava paralisado, preso pela presença opressiva que o envolvia.
— Quem são vocês? — perguntou, sua voz tremendo, quase perdida no vazio.
Os sussurros se intensificaram, transformando-se em palavras fragmentadas. “Traidor... Libertador... Prisioneiro...” As vozes se sobrepunham, impossíveis de decifrar completamente. Elias fechou os olhos, tentando bloquear a visão, mas isso só tornou os sons mais claros. Ele viu flashes em sua mente — imagens de um ritual antigo, de uma caverna escura onde homens encapuzados entoavam cânticos, e de uma porta selada com correntes. Sentiu uma conexão, como se aquelas memórias não fossem suas, mas sim emprestadas pelos rostos que o cercavam.
De repente, um dos rostos se aproximou, seu rosto mais definido que os outros. Era uma mulher, com cabelos longos e emaranhados caindo sobre um rosto esquelético. Seus olhos brilhavam com uma intensidade quase humana quando ela falou, sua voz cortando os sussurros como uma lâmina.
— Você nos chamou — disse ela, os lábios se movendo lentamente. — Agora, você nos libertará.
Elias balançou a cabeça, o pânico crescendo. — Eu não fiz nada! Não sei o que vocês querem!
A mulher inclinou a cabeça, e os outros rostos a imitaram, um movimento sincronizado que fez a sala parecer girar. — O livro — sussurrou ela. — Você o abriu. Você leu as palavras. Agora, a porta está fraca.
Ele olhou para o livro ao seu lado, suas páginas ainda abertas, o texto pulsando como se estivesse vivo. Uma onda de culpa o atingiu. Tinha sido ele, sim. Sem saber, ele libertara algo que não deveria ter sido perturbado. Mas como desfazer isso? Como fechar a porta que ele abrira?
— Me diga como pará-los! — gritou ele, as lágrimas escorrendo pelo rosto.
A mulher sorriu, um sorriso torto e cruel. — O sangue deve selar o que o sangue abriu. O seu sangue.
Antes que ele pudesse reagir, uma das mãos espectrais se estendeu, suas unhas afiadas roçando seu braço. Elias gritou quando sentiu um corte ardente, o sangue pingando no chão e manchando as páginas do livro. Os rostos se agitaram, suas vozes agora um rugido ensurdecedor. A sala começou a tremer, e as paredes pareciam se fechar, como se a própria casa quisesse engoli-lo.
Desesperado, Elias agarrou o livro e rasgou as páginas, jogando-as no chão. O sangue se misturou ao papel, e por um momento, os rostos recuaram, suas expressões mudando para algo que parecia medo. Mas então, a mulher riu, um som que ecoou como trovões.
— Tolo — disse ela. — O sangue só os chama mais.
De repente, o chão se abriu sob ele, e Elias caiu em um vazio escuro. Os rostos o seguiram, girando ao seu redor como um enxame. Ele tentou se agarrar a algo, qualquer coisa, mas suas mãos encontraram apenas ar. A queda parecia eterna, e com cada segundo, os sussurros se tornavam mais altos, mais insistentes, até que ele não conseguia mais distinguir sua própria voz dos lamentos.
Quando finalmente atingiu o chão, não era mais o sótão. Estava em uma caverna, as paredes cobertas de runas que brilhavam fracamente. Diante dele, havia uma porta enorme, rachada e cercada por correntes quebradas. Os rostos o cercaram novamente, agora mais reais, suas formas ganhando contornos sólidos. A mulher estava à frente, estendendo a mão.
— Abra-a — ordenou ela.
Elias recuou, mas uma força invisível o empurrou para frente. Seus dedos tremiam quando tocaram a porta, e ele sentiu uma energia fria percorrer seu corpo. A porta rangeu, abrindo-se lentamente, e do outro lado veio um som — um uivo distante, seguido por passos pesados. Algo estava vindo, algo muito pior do que os rostos.
Ele tentou se afastar, mas as mãos espectrais o seguraram, forçando-o a ficar. Os olhos da mulher brilharam com antecipação quando a escuridão além da porta começou a se mover. Elias gritou, sabendo que seu destino estava selado, mas no fundo de sua mente, uma pergunta ecoava: será que ele poderia ter evitado tudo isso se tivesse deixado o livro fechado?
A resposta nunca veio. A escuridão o engoliu, e os sussurros finalmente se calaram — mas apenas por um momento. Em algum lugar, em outra casa, outro sótão, outro livro esperava, e o ciclo estava prestes a recomeçar.
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