O Caso Elisa Lam: Elevador, Mistério e a Água do Hotel
O caso de Elisa Lam continua a fascinar e inquietar o mundo mais de uma década após sua ocorrência, representando um enigma que mescla elementos de tragédia pessoal, mistério urbano e a influência perturbadora da mídia digital. Elisa Lam, uma jovem canadense de ascendência chinesa, nasceu em Vancouver em 1991 e cresceu em uma família de imigrantes de Hong Kong que administrava um restaurante. Desde cedo, ela demonstrou um interesse vibrante pela vida, pela moda e pela escrita, mantendo blogs onde compartilhava pensamentos profundos sobre suas lutas internas. Em seu blog Ether Fields, iniciado em 2010, ela postava fotos de moda e reflexões pessoais, frequentemente tocando em temas de identidade e insegurança. Uma entrada de janeiro de 2012 revelava sua vulnerabilidade, onde ela confessava se sentir "tão completamente sem direção e perdida", citando o escritor Chuck Palahniuk para expressar o tormento de desperdiçar a vida. Essa postagem, carregada de melancolia, ecoaria mais tarde como um presságio involuntário de sua jornada fatídica. Diagnosticada com transtorno bipolar e depressão, Elisa gerenciava sua condição com medicamentos como bupropion, lamotrigine e quetiapine, mas relatos indicam que ela nem sempre os tomava de forma consistente, o que levava a episódios de alucinações e comportamentos erráticos. Apesar disso, sua família enfatizava que ela nunca havia demonstrado tendências suicidas, e sua vida parecia cheia de potencial, com estudos na Universidade de British Columbia, embora ela não estivesse matriculada no início de 2013.
Em janeiro daquele ano, Elisa embarcou em uma viagem solo pela costa oeste dos Estados Unidos, uma aventura que ela documentava entusiasticamente em redes sociais. Viajando de trem e ônibus, ela visitou San Diego, onde postou fotos do zoológico, radiando alegria e curiosidade. Chegando a Los Angeles no dia 26 de janeiro, ela se hospedou no Cecil Hotel, um estabelecimento histórico no coração do centro da cidade, conhecido por sua arquitetura imponente mas também por uma reputação sombria. Construído em 1924 como um hotel de luxo para viajantes de negócios, o Cecil rapidamente declinou com a Grande Depressão, tornando-se um refúgio para os marginalizados de Skid Row, a área mais pobre e perigosa de Los Angeles. Ao longo das décadas, o hotel acumulou uma história macabra: pelo menos 16 mortes não naturais foram registradas ali, incluindo suicídios por salto das janelas, overdoses e assassinatos brutais. Notoriamente, ele abrigou serial killers como Richard Ramirez, o "Night Stalker", que morou lá durante sua onda de terror nos anos 1980, e Jack Unterweger, um assassino austríaco que se passou por jornalista enquanto estrangulava prostitutas na década de 1990. Rumores persistentes ligavam o Cecil ao assassinato não resolvido de Elizabeth Short, a "Dália Negra", em 1947, embora sem evidências concretas. Reformado e renomeado como Stay on Main em 2011 para atrair turistas jovens, o hotel ainda mantinha uma aura de decadência, com quartos compartilhados baratos e uma clientela mista de mochileiros e residentes de longa data. Elisa foi inicialmente colocada em um quarto compartilhado no quinto andar, mas após reclamações de suas companheiras sobre seu "comportamento estranho" – como deixar bilhetes dizendo "vá embora" e exigir senhas para entrar –, ela foi transferida para um quarto individual.
Os dias de Elisa no Cecil pareciam comuns à primeira vista. Ela explorava a cidade, comprando livros e presentes em lojas locais. Katie Orphan, gerente de uma livraria próxima chamada The Last Bookstore, lembrou-se dela como "extrovertida, muito animada, muito amigável", preocupada com o peso dos itens para sua viagem. Poucos dias antes de seu desaparecimento, ela assistiu a uma gravação ao vivo do programa Conan em Burbank, mas foi removida pela segurança devido a um comportamento disruptivo. Então, em 31 de janeiro de 2013, Elisa foi vista pela última vez viva. Ela deveria fazer o check-out e seguir para Santa Cruz, mas não o fez. Seus pais, com quem ela se comunicava diariamente, não receberam mais notícias e, alarmados, voaram para Los Angeles, reportando seu desaparecimento à polícia no dia 8 de fevereiro. A busca inicial foi limitada: a polícia revistou o hotel dentro dos limites legais, incluindo o quarto de Elisa, e usou cães farejadores no telhado, mas nada foi encontrado. Sem causa provável para uma busca mais invasiva, eles distribuíram folhetos com sua foto pela vizinhança, atraindo atenção da mídia.
O que catapultou o caso para o centro das atenções globais foi a liberação, em 13 de fevereiro, de um vídeo de vigilância do elevador do hotel, capturado em 31 de janeiro. O clipe, com cerca de dois minutos e meio, mostra Elisa entrando no elevador sozinha, vestindo uma blusa vermelha, shorts pretos e sandálias. Ela pressiona vários botões, como se tentasse ir para múltiplos andares, mas o elevador não se move. Em seguida, ela se esconde no canto, espiando para o corredor como se estivesse evitando alguém. Ela sai brevemente, gesticula de forma exagerada com as mãos – movimentos que alguns interpretaram como sinais de linguagem de sinais ou até feitiços –, e volta para dentro, pressionando mais botões. O elevador permanece com as portas abertas por um tempo inexplicavelmente longo antes de finalmente fechar após ela sair novamente. O vídeo, divulgado pela polícia para gerar pistas, viralizou imediatamente, acumulando milhões de visualizações no YouTube e em sites chineses como Youku. Muitos espectadores o acharam "assustador" e "perturbador", comparando-o a cenas de filmes de horror. Teorias surgiram aos montes: estaria ela fugindo de um perseguidor? Sob efeito de drogas alucinógenas? Ou sofrendo um episódio psicótico? Alguns alegaram que o vídeo foi editado, com timestamps borrados, partes aceleradas ou cortadas para ocultar evidências, alimentando especulações de encobrimento.
Enquanto o vídeo circulava, problemas no hotel intensificavam o mistério. Hóspedes começaram a reclamar de água com pressão baixa, cor escura e um gosto estranho, descrito como "doce e podre". Em 19 de fevereiro, um trabalhador de manutenção subiu ao telhado para investigar os quatro tanques de água de mil galões cada, que abasteciam o prédio. Ao abrir uma das tampas, ele encontrou o corpo de Elisa flutuando na água, nu e de bruços, com suas roupas – idênticas às do vídeo – boiando ao lado, junto com seu relógio e chave do quarto. O corpo estava inchado e esverdeado devido à decomposição moderada, com partículas semelhantes a areia aderidas. Para removê-lo, o tanque precisou ser drenado e cortado, pois a escotilha era estreita demais. A descoberta chocou o mundo: como uma jovem turista acabou em um tanque de água no telhado de um hotel infame, e por que demorou 19 dias para ser encontrada? Os hóspedes, sem saber, haviam usado aquela água para beber, cozinhar e tomar banho durante semanas, o que gerou repulsa coletiva e processos judiciais contra o hotel.
A autópsia, realizada em 21 de fevereiro, inicialmente não determinou a causa da morte. O relatório completo, divulgado em junho, revelou ausência de traumas físicos, agressão sexual ou indícios de suicídio. Toxicologia mostrou traços de seus medicamentos prescritos, mas em níveis baixos, sugerindo que ela havia parado de tomá-los recentemente, além de pequenas quantidades de álcool (0,02%) e remédios sem prescrição como ibuprofeno. Nenhum droga recreativa foi detectada. O legista concluiu que a morte foi afogamento acidental, com o transtorno bipolar como fator significativo, provavelmente levando a um episódio maníaco ou psicótico que a fez acessar o telhado e entrar no tanque. No entanto, mistérios persistiam: o telhado era acessível apenas por portas trancadas com alarmes para funcionários, mas uma escada de incêndio externa poderia ter sido usada, como demonstrado em vídeos posteriores. Os cães farejadores não detectaram seu cheiro no telhado dias após o desaparecimento, e a tampa do tanque foi encontrada aberta, levantando dúvidas sobre como ela a fecharia de dentro. Seu celular nunca foi encontrado, e postagens em seu Tumblr continuaram após a data estimada de morte (possivelmente agendadas), alimentando ideias de hackeamento ou roubo.
Essas lacunas abriram espaço para teorias alternativas que dominaram fóruns online e documentários. Muitos acreditavam em assassinato: talvez por um funcionário do hotel, dado o acesso restrito, ou ligado à história criminosa do Cecil. Especulações sobrenaturais comparavam o caso ao filme "Água Negra" de 2005, onde uma mãe e filha lidam com água contaminada por um corpo em um tanque de telhado, com paralelos em elevadores defeituosos e água escura. Outros sugeriam conspirações governamentais, ligando ao fato de Elisa ser de ascendência chinesa e ao surto de tuberculose em Skid Row na época, com testes nomeados "LAM-ELISA" – um acrônimo que soava como seu nome. Teóricos da conspiração alegavam que o vídeo era encenado ou que sua morte era um ritual, apontando para gestos no elevador como parte de um "jogo do elevador" coreano para invocar espíritos. Web sleuths, amadores online, investigaram obsessivamente, mas muitos erraram, como acusar erroneamente um músico de black metal de envolvimento baseado em coincidências tênues, levando a assédio que quase resultou em suicídio. Documentários como a série da Netflix "Crime Scene: The Vanishing at the Cecil Hotel" de 2021 exploraram essas teorias, concluindo que a explicação oficial era a mais plausível, mas destacando como a internet amplificou o sensacionalismo.
O impacto cultural do caso foi profundo, inspirando uma miríade de obras artísticas que perpetuam seu legado trágico. Episódios de séries como "Castle" e "How to Get Away with Murder" replicaram elementos do tanque de água e vídeo de elevador. Filmes de horror em Hong Kong e planejados na China ecoaram o mistério, enquanto músicas de bandas como SKYND e Sun Kil Moon questionavam se era um hoax, com letras sugerindo que "ninguém morreu no tanque". O jogo "YIIK: A Postmodern RPG" de 2019 incorporou um desaparecimento similar, mas foi criticado por insensibilidade. Até "American Horror Story: Hotel" em 2015 drew inspiração do Cecil e do vídeo. Na China, onde Elisa era conhecida como Lam Ho-yi, o caso gerou debates sobre saúde mental e segurança de viagens, com milhões discutindo em redes sociais. Seus pais processaram o hotel por negligência em 2013, alegando falhas em prevenir acesso ao telhado, mas o caso foi arquivado em 2015, com o juiz argumentando que o incidente era imprevisível.
No fim, o caso de Elisa Lam ilustra a fragilidade da mente humana em um ambiente hostil, onde um hotel decadente se torna palco de uma tragédia evitável. Seu comportamento no elevador, agora icônico, reflete possivelmente uma alucinação induzida por mania bipolar, levando-a a subir ao telhado em busca de refúgio ou aventura ilusória, apenas para encontrar um fim solitário na água escura. A água do hotel, contaminada por seu corpo em decomposição, simboliza o horror invisível que permeia vidas cotidianas, enquanto o mistério persiste como um lembrete de como narrativas online podem distorcer a realidade. Elisa, em sua busca por independência, tornou-se um ícone involuntário do inexplicável, deixando um legado que continua a inspirar reflexões sobre isolamento, doença mental e os perigos ocultos das cidades grandes. Sua história, entre o elevador parado e o tanque silencioso, permanece um enigma que, apesar das explicações oficiais, convida a questionar o que realmente acontece nas sombras dos lugares esquecidos.
Imagem: Netflix / LAPD
Postar um comentário em "O Caso Elisa Lam: Elevador, Mistério e a Água do Hotel"
Postar um comentário