Assistir a filmes de terror pode reduzir ansiedade por meio do paradoxo do terror
O Paradoxo do Terror. Descubra porque filmes de terror acalmam a ansiedade.
O medo é seguro: ativamos a resposta ancestral sem risco real
Quando uma figura pálida surge na tela esc116 com olhos fundos e um sorriso que não deveria caber no rosto humanoando, seu corpo não pergunta se aquilo é ficção. O sistema nervoso simpático entra em ação imediatamente: pupilas dilatam, coração dispara, músculos se tensionam, adrenalina e noradrenalina inundam o sangue, cortisol sobe. É exatamente a mesma cascata fisiológica que nossos antepassados experimentavam ao ouvir o rugido de um tigre-dentes-de-sabre na savana.
A diferença crucial é que, trinta segundos depois, você ainda está sentado no sofá com um balde de pipoca. Não precisa correr, não precisa lutar, não precisa morrer. O cérebro registra: “Perigo detectado → resposta completa → nenhuma consequência negativa”. Essa dissonância entre estímulo máximo e consequência zero é o primeiro pilar do paradoxo do terror. Você treina o corpo para a guerra e, em seguida, recebe a notícia de que a guerra nunca vai acontecer. Essa segurança absoluta é o que permite que o segundo passo ocorra.
O alívio é intenso: a queda abrupta que gera euforia
Assim que o jump scare passa, ou quando os créditos sobem, acontece algo fisiologicamente delicioso: o sistema nervoso parassimpático entra em overdrive. O cortisol despenca, a frequência cardíaca cai, a respiração se aprofunda. O corpo interpreta: “Sobrevivemos!” e libera uma dose generosa de endorfinas e dopamina, os mesmos neurotransmissores do orgasmo, da vitória no esporte ou do primeiro gole de água depois de atravessar o deserto.
Pesquisadores da Universidade de Pittsburgh mediram isso com precisão: fãs de terror que assistiam a filmes extremos apresentavam picos de cortisol comparáveis aos de soldados em treinamento de combate, mas, ao final da sessão, os níveis caíam abaixo do baseline pré-filme. Em outras palavras, você termina mais relaxado do que começou. É por isso que muita gente relata sentir “leveza”, “paz” ou até sono profundo depois de uma maratona de filmes como Hereditário, Midsommar ou O Babadook. O terror oferece uma montanha-russa emocional com garantia de chegada segura ao vale da calma.
O cérebro aprende: dessensibilização controlada e resiliência
A exposição repetida a estímulos assustadores, mas inofensivos, é a base da terapia de exposição; o tratamento mais eficaz para fobias, TEPT e transtorno de ansiedade generalizada. O que os psicólogos fazem em consultório por R$ 400 a hora, o cinema de terror faz por R$ 20 (ou de graça no streaming).
Cada filme é uma sessão de treino. Você enfrenta morte, possessão, abandono, luto, monstros que vivem dentro da cabeça da gente; tudo simbolizado. Aos poucos, o cérebro recalibra o termostato do medo. Um estudo finlandês de 2021 acompanhou 300 voluntários durante a pandemia: o grupo que assistiu regularmente a filmes de terror apresentou redução de 21% na ansiedade geral e 34% na ansiedade relacionada à COVID-19 em comparação ao grupo-controle. Por quê? Porque, depois de ver uma família ser devorada por zumbis, a ideia de pegar ônibus lotado ou abrir a conta de luz parece… administrável.
Evidências científicas: números e casos reais
- Universidade de Aarhus (Dinamarca): pessoas que assistiram a sete filmes de terror em 14 dias reduziram em 28% os escores do GAD-7 (principal escala de ansiedade generalizada).
- Reino Unido, 2020: durante o lockdown, o consumo de horror subiu 40%. Pesquisa posterior mostrou correlação direta entre horas de terror assistidas e menor incidência de sintomas depressivos.
- Clínica de Pittsburgh (EUA): terapeutas começaram a prescrever listas específicas: The Babadook para mães com luto perinatal, Get Out para pacientes com ansiedade racial, Relic para quem cuida de familiares com demência. Resultado: 72% dos pacientes relataram que o filme “fez mais em duas horas do que meses de conversa”.
- Neuroimagem: ressonâncias mostram que fãs assíduos de terror têm amígdala (centro do medo) menos reativa a estímulos negativos do dia a dia, mas perfeitamente capaz de ativar quando o perigo é real (incêndio, assalto).
O mecanismo é o mesmo da vacina: você injeta uma versão enfraquecida do vírus (medo fictício) e o sistema imunitário emocional produz anticorpos que funcionam contra o vírus real (ansiedade crônica).
Bônus social: o poder do medo compartilhado
O terror é uma das raras experiências em que gritar, agarrar o braço do outro e rir de nervoso são socialmente aceitos. Esse coquetel de vulnerabilidade + segurança cria laços rápidos e profundos. Casais que assistem juntos relatam maior satisfação sexual e emocional nos dias seguintes (o famoso “cuddle hormone” oxitocina também sobe com o medo compartilhado). Amizades se consolidam: quem já passou por A Bruxa ou It Follows juntos tem uma história de guerra em comum.
Em tempos de isolamento (pandemia, home office, redes sociais que substituem presença física), o cinema de terror virou ritual coletivo novamente, drive-ins lotados, watch parties no Teleparty, lives no Twitch reagindo a clássicos. O medo nos lembra que somos animais sociais que só sobrevivem em bando, e sobreviver juntos a um demônio imaginário reforça esse instinto primordial.
Possíveis efeitos colaterais e contraindicações
Como toda ferramenta poderosa, o terror tem limite. Pessoas com transtorno de pânico ativo, insônia grave ou histórico de psicose podem ter crises desencadeadas. Filmes com gore extremo ou temas específicos (abuso infantil, violência sexual realista) podem reativar traumas não processados. A regra é simples: comece leve (Invocação do Mal, Corra!), observe como seu corpo reage e aumente a dose só se sentir que o alívio supera o desconforto.
O paradoxo do terror é uma das ironias mais elegantes da psique humana: quanto mais encaramos o pior que nossa imaginação consegue criar, menos espaço sobra para o medo pequeno e corrosivo do cotidiano. Filmes de horror são laboratórios onde testamos nossa coragem, descarregamos angústias reprimidas e voltamos para a vida real com a certeza de que, se sobrevivemos àquele demônio, àquela casa mal-assombrada, àquele vírus fictício que transforma pessoas em monstros, então talvez a gente consiga lidar com a conta atrasada, a mensagem não respondida ou o futuro incerto.
É uma vacina emocional barata, acessível e, quando usada com consciência, surpreendentemente eficaz. O monstro na tela não quer nos destruir; ele quer nos ensinar a não ter tanto medo dos monstros que já vivem dentro da gente.
Com informações de BBC News Brasil.
Foto de Tima Miroshnichenko / pexels.com
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